Força Magnetomotriz e Distribuição de Fluxo em Máquinas CA: Teoria Avançada para Engenheiros

Quando estudamos máquinas elétricas rotativas em cursos introdutórios, frequentemente assumimos condições ideais que simplificam drasticamente os cálculos. No entanto, as máquinas reais apresentam comportamentos muito mais complexos, especialmente no que se refere à força magnetomotriz (FMM) e à distribuição de fluxo magnético. Este artigo explora os aspectos práticos e as perdas de eficiência que devemos considerar no projeto e análise de máquinas CA.

9/2/20253 min read

O Problema das Simplificações Teóricas

Na teoria básica, assumimos que:

  • O fluxo magnético se distribui uniformemente

  • Não há perdas no núcleo ferromagnético

  • A permeabilidade é constante

  • O entreferro é perfeitamente uniforme

Na prática, essas condições nunca existem.

Características das Máquinas Reais

1. Núcleo Ferromagnético do Rotor

O rotor de uma máquina real possui um núcleo ferromagnético com características não-lineares que influenciam significativamente a distribuição do fluxo. A permeabilidade magnética varia com:

  • Intensidade do campo magnético (H)

  • Frequência de operação

  • Temperatura do material

  • Saturação magnética

2. Entreferro de Ar Reduzido

O pequeno entreferro de ar entre estator e rotor é um dos fatores mais críticos. Sua relutância (Rₐᵣ) é muito mais elevada que a do estator e rotor, criando um "gargalo" magnético.

Relutância do Entreferro

Rₐᵣ = g / (μ₀ × A)

Onde:

  • g = comprimento do entreferro

  • μ₀ = permeabilidade do ar (4π × 10⁻⁷ H/m)

  • A = área da seção transversal

3. Comportamento do Vetor Densidade de Fluxo (B)

O vetor densidade de fluxo B sempre toma o caminho de menor relutância, que corresponde ao caminho mais curto possível através do entreferro magnético. Isso resulta em:

  • Concentração de fluxo em determinadas regiões

  • Distribuição não-uniforme no entreferro

  • Harmônicos indesejados na forma de onda

Objetivo: Tensão Induzida Senoidal

Para obter uma tensão induzida senoidal, é fundamental que as grandezas B, H e F sejam senoidais. Isso requer cuidado especial no projeto da máquina.

Condições Necessárias:

  1. B (densidade de fluxo) → senoidal

  2. H (intensidade de campo) → senoidal

  3. F (força magnetomotriz) → senoidal

Distribuição de Enrolamentos: A Chave para F Senoidal

O modo mais eficaz de tornar a força magnetomotriz (F) senoidal é através da distribuição adequada das espiras em ranhuras com espaçamento otimizado.

Técnica de Distribuição

Ranhuras proximamente distanciadas com variação no número de condutores:

NC = NC × cos(α/2)

Onde:

  • NC = número de condutores por ranhura

  • α = ângulo entre ranhuras adjacentes

Esta distribuição cria uma aproximação senoidal da FMM resultante.

Principais Equações do Sistema

1. Força Magnetomotriz Distribuída

F(θ,t) = (4/π) × Σ[Fₙ × sin(nωt) × cos(nθ)]

2. Lei de Ampère para o Circuito Magnético

∮H·dl = F = N×I

3. Densidade de Fluxo no Entreferro

B = (μ₀×F)/g

4. Fluxo Total por Polo

Φ = ∫B·dA = B × A_polo

5. Tensão Induzida (Lei de Faraday)

e(t) = -N × dΦ/dt = -N × d/dt[Φₘₐₓ × cos(ωt)]

6. Relutância Total do Circuito

R_total = R_estator + R_rotor + R_entreferro R_total = l_ferro/(μ_ferro×A_ferro) + g/(μ₀×A_entreferro)

7. Perdas no Núcleo

P_núcleo = P_histerese + P_correntes_parasitas P_histerese = k_h × f × B_max^n P_correntes = k_c × f² × B_max²

8. Fator de Distribuição

k_d = sin(m×α/2) / [m × sin(α/2)]

Onde:

  • m = número de ranhuras por polo por fase

  • α = ângulo elétrico entre ranhuras

9. Eficiência da Máquina

η = P_saída / P_entrada = P_saída / (P_saída + P_perdas)

10. Coeficiente de Dispersão

σ = 1 - (Φ_útil / Φ_total)

Perdas de Eficiência em Máquinas Reais

1. Perdas no Cobre (I²R)

  • Resistência dos enrolamentos

  • Efeito pelicular em altas frequências

  • Aquecimento e variação da resistividade

2. Perdas no Ferro

  • Histerese magnética: energia perdida na magnetização/desmagnetização

  • Correntes parasitas: induzidas no núcleo ferromagnético

3. Perdas Mecânicas

  • Atrito nos mancais

  • Ventilação e resistência do ar

4. Perdas por Dispersão

  • Fluxo disperso que não contribui para o torque

  • Campos de fuga nas cabeças de bobina

Estratégias de Otimização

1. Projeto do Entreferro

  • Minimizar variações dimensionais

  • Controle rigoroso da excentricidade

  • Uso de materiais com baixa expansão térmica

2. Seleção de Materiais

  • Aços elétricos de grão orientado

  • Laminações finas para reduzir correntes parasitas

  • Isolação adequada entre lâminas

3. Configuração dos Enrolamentos

  • Distribuição otimizada das espiras

  • Passo de bobina adequado

  • Balanceamento entre fases

Conclusão

O projeto de máquinas CA eficientes requer um entendimento profundo dos fenômenos magnéticos reais, muito além das simplificações teóricas. A consideração adequada da força magnetomotriz, distribuição de fluxo e perdas associadas é fundamental para:

  • Maximizar a eficiência energética

  • Minimizar harmônicos indesejados

  • Obter formas de onda senoidais

  • Reduzir custos operacionais

O engenheiro moderno deve dominar tanto os aspectos teóricos quanto os práticos, utilizando ferramentas computacionais avançadas para modelar e otimizar o comportamento magnético dessas máquinas complexas.

Artigo técnico do Blog Do Zero Ao Ohm - Transformando teoria em aplicação prática para engenheiros eletricistas.